quarta-feira, janeiro 21, 2009

Em nome da mãe

Em sua despedida, Arthur narra a emoção de seu encontro com Madre Teresa de Calcutá

"A vida é uma oportunidade, aproveite-a. A vida é beleza, admire-a. A vida é um desafio, enfrente-o. A vida é aventura, arrisque-se. A vida é um mistério, descubra-o."


Contemplava o visual do vale de Katmandu depois de ter passado alguns dias viajando pelo interior do Nepal. Stupas tibetanas (templos budistas), monumentos, palácios, estátuas, templos hindus, casas de chá, peregrinos, vacas, macacos e uma imensidão de riquixás (bicicletas movidas a tração humana) emolduravam o cenário das entranhas das cidades de Patan, Bhaktapur e Pashupatinath. Desde que havia partido do Brasil, uma história se repetia incessantemente nos meus sonhos. Neles, minha mãe, Zezé Tavares, já falecida, manifestava-se e dizia que eu deveria fazer uma visita a Madre Teresa de Calcutá. Tais sonhos praticamente dominavam meu inconsciente. Os pensamentos que abrem este texto são de autoria dessa incansável e maravilhosa criatura. Para situá-lo, essa viagem desenrolou-se no século passado, no ano de 1995. Depois de mais uma noite em que mamãe docilmente pedia que eu fosse à sede da Ordem das Missionárias da Caridade, resolvi partir no dia seguinte para Calcutá.

Imagine desembarcar na caótica capital do estado de West Bengal sem saber se Madre Teresa estava na cidade ou se encontrava-se em peregrinação pelo mundo. Não conhecia nada por lá. Por pura sorte, detectei uma espanhola que fazia trabalhos como voluntária juntamente com duas irmãs da congregação. Suas primeiras palavras foram que Madre Teresa estava na cidade e que a congregação se localizava no número 54 da Acharya Jagadish Chandra Bose Road, na região de Chowringhee. Peguei um táxi e me aventurei rumo a Sudder Street, onde hotéis e pousadas disputam turistas de todas as partes do planeta.

Calcutá é brutalmente diferente do parque de diversões que é Katmandu. A sujeira, a poluição e a miséria das ruas, por incrível que pareça, me conduziram a um oceano de tranquilidade, humildade e compaixão. Estava "imerso no fluxo". Durante cinco dias, precisamente às 4 horas da manhã, participei dos cultos religiosos na sede da célebre congregação cristã. A missa era ministrada por um padre que destilava simpatia por todos os poros. As irmãs da Ordem, vestindo seus belíssimos saris brancos - que destacam a sua pureza - com frisos em azul - a cor da Virgem Maria -, acompanhavam-no, rezando os salmos.

Uma missionária me contou que os objetos pessoais de cada uma das irmãs se resumem a um par de sandálias, um pedaço de sabão, um conjunto de roupas íntimas, um prato esmaltado, um colchão, um travesseiro, um par de lençóis e um balde de metal. Completo desapego aos bens materiais. Atualmente, as Missionárias da Caridade somam 3 mil freiras e 400 irmãs, espalhadas por 87 países e 160 localidades. No Brasil, sua representação está na cidade do Rio de Janeiro.

No último dia em que assisti aos cultos, me dirigi ao padre e perguntei por onde andava Madre Teresa. Com seu imenso sorriso, ele apontou sutilmente para a porta de entrada e uma senhora sentada ao chão. Sim, caríssimo leitor: eu estava diante da presença iluminada de Madre Teresa. Meus lábios emudeceram e gentilmente estendi minha mão. Ela se apoiou, levantou-se suavemente e me abençoou. Perguntou de onde eu vinha e abri meu coração, dizendo que estava ali por admiração a tudo que ela fizera e faria e por uma série de sonhos nos quais minha mãe pedia para que eu fosse a Calcutá. Madre Teresa colocou suas imensas mãos sobre a minha cabeça e algo conectou-se com meu espírito. Na noite seguinte, sonhei novamente com minha mãe, que sorria e brincava em um campo repleto de girassóis.

Madre Teresa nasceu na cidade de Skopje, na República da Macedônia, em 27 de agosto de 1910. A mudança de seu nome para Teresa foi uma homenagem à monja francesa Teresa de Lisieux, mais conhecida como Santa Teresinha. A religiosa morreu no dia 5 de setembro de 1997, aos 87 anos de idade, vitima de uma parada cardíaca. Em 17 de outubro do mesmo ano, foi agraciada com o Nobel da Paz. No dia 19 de outubro de 2003, João Paulo II beatificou-a em um dos processos mais rápidos da história da Igreja.

Esta é minha última coluna para a revista Galileu. Mas, muito provavelmente, voltarei às suas páginas em outras encarnações no futuro. Quem quiser continuar compartilhando minhas peregrinações e experiências pelo mundo pode mandar um email para o endereço arshiva@terra.com.br

Namastê.

Fonte
http://revistagalileu.globo.com/

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